
Na manhã seguinte à posse presidencial, a tripulação do Minas Gerais é convocada para assistir à punição do Marinheiro Marcelino Menezes, que atacara e ferira um cabo. As 250 chibatadas, aplicadas ao rufar dos tambor, são presididas pelo comandante João Batista das Neves. Seis dias depois, sob a chefia do marinheiro João Cândido, a tripulação do Minas Gerais se rebela. Neves é morto. As naus São Paulo, Bahia e Deodoro aderem à revolta; outros oficiais são assassinados. Ameaçando bombardear o Rio de Janeiro, os amotinados --- mais de dois mil! --- sob a liderança do gaúcho João Cândido, exigem o fim das “penas disciplinares” que, além dois açoites, incluíam a palmatória ou “bolo” e a prisão a ferro, na solitária, a pão e água. Exigem ainda o aumento dos soldos e a melhoria da alimentação a bordo. É a Revolta da Chibata, movimento que eclode na Martinha em protesto contra os castigos corporais a que eram submetidos os marinheiros brasileiros.
Pressionados pela marujada, reunidos no Congresso Nacional e no Palácio do Catete, Hermes e os influentes senadores Pinheiro Machado e Rui Barbosa dizem amém às exigências dos amotinados. Mais: prometem anistia-los. Em resposta, no dia 25 os rebeldes arriam as bandeiras vermelhas que sinalizavam o motim., Os navios são devolvidos. O episódio parecia encerrado. Três dias depois, porém, um decreto presidencial autoriza o ministro da Marinha a expulsar da corporação os líderes da sedição. Em 10 de dezembro, os fuzileiros navais alojados na ilha das Cobras provocam nova rebelião. Para evitar a repressão, os marinheiros das naus Minas Gerais, Bahia e São Paulo --- que nada têm a ver com os protestos dos fuzileiros --- bombardeiam as instalações onde se encontram os companheiros de corporação. Alarmado com a onda de conspiratas, o presidente deflagra uma repressão feroz. Marinheiro já anistiados, que haviam participado da Revolta da Chibata, são aprisionados. Muitos deles são fuzilados.
João Cândido e 17 marinheiros que haviam participado da primeira revolta são encarcerados na ilha das Cobras. No terceiro dia, 16 deles estão mortos. Após 18 meses de prisão, o “Almirante Negro” é internado num hospital para loucos. Outros 250 marinheiros são presos: junto com ladrões, desordeiros, cafetões e meretrizes são embarcados no cargueiro Satélite e mandados para o exílio no Acre. A “nau da morte” zarpa do Rio na véspera do Natal. Na viagem, nove marinheiros são fuzilados a bordo e seus corpos jogados no mar. Dos sobreviventes, uns são incorporados à Comissão Rondon, outros são abandonados às margens do Madeira, para trabalhar com os seringueiros.
Libertado em 1914, expulso da Armada, João Cândido viveu uma vida amarga. Redescoberto na década de 1950 trabalhando num mercado de peixes, na praça XV, foi transformado em símbolo e apoiou a Revolta dos Marinheiros, ocorrida em 1964, às vésperas da queda do Governo João Goulart. Em 1969, aos 89 anos, sem anistia, morreu de câncer, em completa miséria, numa favela carioca.
Em 2007, a Marinha liberou o prontuário do marinheiro João Cândido Felisberto. Para a corporação, o levante liderado pelo “Almirante Negro” foi uma “rebelião ilegal, sem qualquer amparo moral”. Para o historiador Marco Morel, “foi um golpe de misericórdia nos resquícios de escravidão que permaneciam arraigados na sociedade brasileira”. No Dia da Consciência Negra, data que assinala o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, em cerimônia que contou com a presença do presidente Lula e show de Martinho da Vila, a estátua de João Cândido foi transferida do Museu da República, no Catete, para a Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.
(SÉRGIO CRUZ LIMA , professor universitário aposentado)
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